Desde que me tornei músico profissional, uma pergunta retorna a todo instante, me provocando: “É possível fazer música no Brasil, sendo POP, MPB, Sofisticado e Acessível?”
A cultura brasileira, pricipalmente a música, virou algo monocromático e raso. Os valores estão cada vez mais deturpados, deixando a resposta da pergunta acima soando mais como uma utopia. Porém toda vez que me deparo com algum artista que insiste, como eu, em desafiar o óbvio, algo pode se tornar mais real e menos utópico.
Falar de relacionamentos, do trivial, sem cair em mesmices é muito difícil, chegando a ser desafiador. Fugir da máxima aplicada aos montes pela grande maioria dos artistas mundiais, enchendo as canções de onomatopéias, também tem se mostrado algo bastante incomum. Enfim, fazer algo de relevância, com valor agregado e ao mesmo tempo acessível, é para poucos.
Buscando na memória, Tom Jobim e Vinícius de Morais já o faziam, mesmo que para muitos soassem alienados diante da realidade política brasileira da época. Djavan também soube se mostrar muito hábil, agregando à trivialidade de seus temas, imagens abstratas poéticas que nem sempre entendi o que queriam dizer, mas me emocionavam. Na minha geração, citaria Jair Oliveira, leve e profundo ao mesmo tempo, fala da vida e seus relacionamentos de forma apaixonante.
Eis então que eu me deparo, há uns 5 anos atrás com uma nova leva de compositores que buscam a mesma trivialidade, porém com uma viceralidade absurda. Estava num vôo de ponte-aérea e o Conrado Goys, meu guitarrista, me pergunta se eu estava garimpando canções para o novo projeto? Ao ouvir minha resposta positiva, sacou seu mp3 player e me pôs a ouvir um disco que acabara de ser finalizado. Era Dani Black, um dos integrantes do “5 a Seco” que, na época, tinha além do Dani, Tó Brandileone, Pedro Altério, Pedro Viáfora e Vinícius Calderoni como integrantes. Já tinha ouvido falar deles e queria saber o porque de estar ouvindo o disco do Dani e não do grupo. Conrado me explicaria que o Dani já estava em processo de carreira solo, e aqueles eram seus primeiros passos.
Produzido por Marcelo Mariano, Luis Paulo Serafim e Paulo Calazans, seu primeiro filho “Dani Black” traria “Miragem”, a canção que ouvi primeiro no avião e que me chamou a atenção por sua intensidade e sinceridade. Completando a audição do disco, percebi que essas duas características estavam presentes em todas suas canções, além de muita viceralidade e muita personalidade. Acabei gravando “Miragem” e a colocando como abertura de meu oitavo álbum, “8”.
Dani Black é compositor dadivoso e talentoso, guitarrista de mão cheia e uma figura agradabilíssima. Nascido em 1987, filho de Tetê Espíndola e Arnaldo Black, trabalhou  com grandes nomes da MPB como Milton Nascimento, Chico Cesar, Maria Gadú e tantos mais. Já foi gravado por muitos nomes como: Maria Gadú, 5 a Seco, Ney Matogrosso.
Suas composições tem contornos peculiares, bem característicos. Não constrói melodias óbvias e suas harmonias misturam muitas cores. O urbano e o bucólico caminham lado a lado, além de suas escolhas rítmicas vão de POPs “funkeados” até o Baião e o Maracatu. Um artista brasileiro em sua melhor definição.
Esteticamente, é muito criterioso quanto às escolhas dos timbres e nuances de seus trabalhos. Mescla acústico e eletrônicos com esperteza, e como guitarrista, explora tudo o que é possível dentro deste universo, trabalhando a sobreposição de timbres, além de usar afinações fora do usual para explorar todos os harmônicos possíveis, dando uma amplitude maior a seus arranjos.
Dani sabe o que quer! E isso já seria o bastante, pois todo artista deve saber o que quer… ou pelo menos deveria…
Seu mais novo trabalho “Dilúvio” é prova disso.
Produzido por Conrado Goys e co-produzido por Dani Black, “Dilúvio” já chega impressionando. O material gráfico é lindo.
E as músicas?
Você pode colocar o disco para rodar na ordem em que foi concebido e entrará numa viagem fantástica, mas se colocar em modo “aleatório” descobrirá outros tantos discos. Coeso e forte, esse álbum mostra toda a capacidade que a inquietação de um artista pode fazer quando esse amadurece e consegue canalizar essa força para sua criação. Todas as canções são belas e fortes, individual e coletivamente. Dani fala da vida, de relacionamentos, de tudo. Coloca uma visceralidade sem filtros que fazem com que essas estórias estabeleçam um forte elo com o ouvinte. Os arranjos são belíssimos, completando a atmosfera com cores em MPB, POP, Rock, ora regional, ora urbando. Destacando “Areia” e “Dilúvio”, com arranjos de cordas de Conrado Goys que enchem os olhos.
Já tive a oportunidade de ver o Dani no palco e outra surpresa surge, porque a imagem se conecta com a sonoridade e um artista muito interessante surge na nossa frente. Mesmo estando atado a um instrumento, não fica estático e cria uma conexão com a platéia.
Dani Black é uma realidade, e das mais felizes. Sinto-me orgulhoso de poder ser contemporâneo a essa geração de artistas que, como eu, não se acomodam diante da estiagem cultural que acomete nosso país.